Em vez de comemorar seu aniversário, minha filha juntou-se a milhões de brasileiros que tomavam conhecimento de episódios de embrulhar o estômago. Naquele dia vazou para a imprensa o conteúdo do acordo de colaboração premiada que havÃamos assinado com a Procuradoria-Geral da República. Confesso que minha reação foi de medo, preocupação e angústia.
Afinal, uma semana antes estivera em audiência no Supremo Tribunal Federal para cumprir os ritos necessários à homologação do acordo. Era essa a notÃcia que eu estava ansiosamente aguardando, não a do súbito vazamento.
Desde então, vivo num turbilhão para o qual são arrastadas minha famÃlia, meus amigos e funcionários.
Minha exata localização nem seria assim tão relevante, a não ser por revelar uma estrutura armada com o objetivo de transformar a realidade complexa, plena de nuances, num maniqueÃsmo primário, em que eu deveria ser o mal para que outros pudessem ser o bem.
A lista das inverdades não parou por aÃ. Mentiram que eu estaria protegendo o ex-presidente Lula; mentiram que eu seria o responsável pelo vazamento do áudio para imprensa para ganhar milhões com especulações financeiras; mentiram que eu teria editado as gravações.
Por fim, a maior das mistificações: eu teria estragado a recuperação da economia brasileira, como se ela fosse frágil a ponto de ter que baixar a cabeça para polÃticos corruptos.
De uma hora para outra, passei de maior produtor de proteÃna animal do mundo, de presidente do maior grupo empresarial privado brasileiro, a "notório falastrão", "bandido confesso", "sujeito bisonho" e tantas outras expressões desrespeitosas.
Venderam uma imagem perfeita: "Empresário irresponsável e aproveitador toca fogo no paÃs, rouba milhões e vai curtir a vida no exterior".
Por isso, demos inÃcio a um agressivo plano de desinvestimento que tem tido considerável êxito, o que demonstra a qualidade da equipe e das empresas que administramos.
De volta a São Paulo, onde moro com minha mulher e meus filhos, vejo na imprensa polÃticos me achincalhando no mesmo discurso em que tentam barrar o que chamam de "abuso de autoridade".
Poucos mencionam a multa de R$ 10,3 bilhões que pagaremos, como resultante do nosso acordo de leniência. Essa obrigação servirá para que nossas próximas gerações jamais se esqueçam dessa lição do que não fazer. Não tenho dúvida de que esse acordo pagará com sobra possÃveis danos à sociedade brasileira.
Hoje, depois de 67 dias e 67 noites da divulgação da delação, resolvi escrever este artigo, não para me vitimar -o que jamais fiz-, mas para acabar com mentiras e folclores e dizer que sou feito de carne e osso. E entregar ao tempo a missão de revelar a razão.
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